segunda-feira, 28 de março de 2011

Ex-chefe do exército morre sem ser julgado por roubo de 33 bebês

Apesar do alto número de militares e policiais já condenados na Argentina por crimes cometidos durante a ditadura militar do país (1976-1983), que somente em 2010 chegou a 89, o agravamento da saúde ou a morte dos repressores muitas vezes impedem o cumprimento da justiça.
O mais recente exemplo foi a morte do ex-chefe do exército argentino, Cristino Nicolaides, na noite deste sábado (22/1), em Córdoba, aos 86 anos de idade. O falecimento do militar acontece um mês antes do início do julgamento dos responsáveis pelo roubo sistemático de 33 bebês que nasceram nos centros clandestinos de prisão, pelo qual é acusado.
Integrante da quarta Junta Militar que comandou o país durante a ditadura, o ex-oficial foi condenado, em 2007, a 25 anos de prisão pelo sequestro e desaparecimento de integrantes da organização de resistência Montoneros. Por razões de saúde, no entanto, não chegou a escutar sua primeira e única sentença no tribunal e cumpriu os anos de pena em sua casa.
Também por este motivo, seu nome foi retirado da lista dos militares julgados no processo pelo roubo dos bebês, a pedido de seus advogados. Ao saber da solicitação, a organização das Avós da Praça de Maio, que procuram seus netos desaparecidos, mandou que um perito comprovasse as condições de saúde do ex-repressor. Segundo o jornal Página 12, o advogado da organização confirmou que, de fato, Nicolaides já não estava em condições para ser julgado.
A morte do ex-oficial, que costumava sustentar que "o marxismo vem perseguindo a humanidade desde 500 anos antes de Cristo", chegou após uma complicação pulmonar. Para o subsecretário de Direitos Humanos da Argentina, Luis Alén, o militar "morreu condenado". "Apesar da pena que cumpria, ele já tinha uma condenação ética e moral por parte da sociedade", afirmou, segundo o mesmo jornal.
Massera
Além das acusações pelo roubo de bebês, Nicolaides estava sendo investigado em várias outras províncias do país por violações aos direitos humanos. Em novembro do ano passado, um ex-almirante engrossou a lista dos militares mortos sem a devida punição. Trata-se de Emilio Eduardo Massera, idealizador e comandante da ESMA (Escola de Mecânica da Armada), um dos principais centros clandestinos de prisão e tortura do país, por onde passaram cerca de cinco mil pessoas e, estima-se, que apenas 300 sobreviveram.
Na ocasião, Enrique Fukman, representante da Associação de Ex-Presos Desaparecidos, um dos poucos sobreviventes do local, confessou ao Opera Mundi que se sentiu frustrado ao saber que o repressor morreu sem pagar por muitos dos crimes cometidos. "Nos indigna saber que quem devia ter morrido na cadeia passou o resto de seus dias em casa. A Justiça e os indiferentes governos que sucederam a ditadura são os grandes responsáveis por esta impunidade", afirmou.
O juiz federal argentino Daniel Rafecas, responsável pela investigação de crimes de lesa humanidade cometido pelo exército e aeronáutica durante a ditadura, afirmou que a paralisação do processo de Massera foi garantida legalmente, devido ao seu grave estado de saúde, que o impedia de enfrentar um processo penal. "É um direito constitucional e que a Justiça do Estado de Direito deve respeitar, seja quem for o acusado".
As Avós da Praça de Maio também lamentaram que o repressor morresse sem pagar pelos crimes. "Massera gozou até o final de sua vida de todas as garantias que dá o estado de direito, inclusive aos assassinos. As mesmas garantias que ele negou às suas vítimas no apogeu do terrorismo de estado", afirmaram em comunicado.
Massera foi um dos protagonistas do golpe de estado de 1976, que deu início à sangrenta ditadura cívico-militar argentina. O período de repressão no país deixou um saldo estimado de 30 mil mortos e desaparecidos.

Fonte: Por Luciana Tadeo - http://www.desaparecidospoliticos.org.br/pagina.php?id=347

sexta-feira, 25 de março de 2011

Crescem apelos pela abertura de arquivos

No discurso de posse, a presidenta Dilma Rousseff lembrou o passado de combate à ditadura militar, os companheiros mortos, mas destacou que não guardava rancores. Mas é cada vez mais crescente o apelo de entidades civis para que sejam abertos em sua totalidade os arquivos da ditadura. A Comissão da Memória e da Verdade ainda espera por uma definição efetiva da nova mandatária do País. Em dezembro o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA) por causa das perseguições, mortes e desaparecimentos forçados de cerca de 70 pessoas durante a Guerrilha do Araguaia.
Mas nem só familiares de guerrilheiros ou militantes de esquerda esperam por reparações de injustiças referentes ao período da ditadura militar. Soldados que participaram das ações também reivindicam seu quinhão em termos de indenização, promoções retroativas ou pensões. É o caso do sargento João da Santa Cruz Sarmento, que participou das primeiras ações contra a guerrilha em Marabá e foi um dos últimos a sair da região no fim dos conflitos - mas que ao final foi perseguido e preso por Sebastião Curió, sob a acusação, nunca provada, de que estaria vendendo terras a colonos. Por conta disso, deu baixa no Exército sem ter obtido as promoções a que teria direito se permanecesse normalmente nas Forças Armadas.
Santa Cruz mora atualmente em um pequeno sítio no município de Santo Antônio do Tauá. "Vamos enviar uma correspondência ao ministro da Justiça, para que o caso dele seja revisto", diz Paulo Fonteles Filho, membro do grupo de trabalho que investiga a existência de ossadas de guerrilheiros na região do Araguaia. A história de Santa Cruz é um pedaço pouco contado dos conflitos no Araguaia. O relato de soldados que participaram das ações ainda é feito de forma tímida, muitas vezes por receio de possíveis represálias de militares da velha guarda -os mais resistentes à ideia de que se abram os arquivos do período ditatorial.
A MISSÃO
A primeira vez que Santa Cruz embarcou para a região do conflito foi no dia 3 de abril de 1972. Três anos antes participara da turma militar brasileira que fez no Panamá o curso de operação na selva que originou o Batalhão da Selva de Manaus. Obteve o segundo lugar no curso criado pelos norte-americanos. Santa Cruz lembra bem da convocação.
"Ninguém sabia nada da guerrilha. Lembro que eram 16 horas quando o comandante me chamou, dizendo para eu ir pra casa, que de manhã teria uma missão. Fui aconselhado a me apresentar à paisana e com umas mudas de roupa". Foi só em Marabá que os soldados souberam qual era, afinal, a missão. "Uma equipe foi para São Domingos do Araguaia, outra para Palestina", conta. A equipe de Santa Cruz foi enviada para um local chamado de 72, ponto de passagem dos paulistas, como eram chamados os guerrilheiros pela população local.
"Chegamos como se fôssemos compradores de terra. Começamos o trabalho de coleta de informações, levantando a vida dos paulistas". Foi nessa situação que Santa Cruz teve o primeiro contato com os guerrilheiros. Dizendo que eram compradores de terra, os soldados utilizaram um guia que os levou ao Chega com Jeito, local onde os guerrilheiros se encontravam. Acabaram encontrando com três guerrilheiros: Ari, Dina e Piauí. Pediram informações e seguiram adiante. "De manhã fizemos um mapa do local, voltamos e entregamos o relatório".
Foi o primeiro passo para os futuros confrontos, que iriam se intensificar a partir de 1973. Santa Cruz era considerado um especialista em localização e por diversas vezes sobrevoou o local, orientando os pontos já identificados por terra. Em 1972, as primeiras operações foram fracassadas, mas os militares se reorganizaram, fizeram um extenso trabalho de espionagem e em 1973 voltaram à região. Dessa vez dispostos a tudo. "Foi quando o pau quebrou", lembra Santa Cruz.
"Nossa missão era prender, matar ou morrer", lembra o soldado. Mas ele diz que, depois de presos, os guerrilheiros eram entregues aos doutores, ou seja, os agentes do DOPS, especializados em torturas. Santa Cruz diz que Romeu Tuma foi um deles. Santa Cruz chegou a escoltar presos, Piauí e Doca. "Nunca trisquei num deles. Depois que eles eram presos, eram levados para a Casa Azul. Não sabíamos nada", diz ele. Casa Azul era uma sede do DNER adaptada para que os agentes pudessem interrogar os guerrilheiros presos. "Estamos cada vez mais convencidos que os grandes responsáveis pelas torturas e execução dos guerrilheiros são os agentes do DOPS", diz Paulo Fonteles Filho.
Ao fim dos conflitos, Santa Cruz recebeu a missão do major Curió de permanecer em Marabá, para supervisionar localidades como São Domingos, São Geraldo, Palestina, Santana do Araguaia. "Fiquei até 1984. O Curió disse: tu vai tomar conta da área. Era para ver se ainda tinha algum foco de guerrilha. O Curió vinha uma vez por mês. Eu fazia o relatório e entregava a ele".
Foi esse envolvimento que ocasionou a queda de Santa Cruz. Segundo ele, o Exército havia prometido 20 alqueires de terra aos guias. Não cumpriram o acordo e os guias cobraram a dívida a Santa Cruz. "O Curió me acusou de estar me envolvendo em venda de terras. Minha casa foi cercada de soldados, me levaram para o quartel e me trancaram incomunicável numa sala". Santa Cruz passou alguns dias preso. Nunca entendeu o motivo. "Nunca peguei um tostão de ninguém. Senti muita vergonha por tudo o que passei. Por isso pedi para ir pra reserva, depois de 45 anos de serviços prestados. Fizeram uma injustiça comigo e nunca houve reparação para isso". 


Fonte: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/pagina.php?id=349&m=5

OS INIMIGOS

Aqui eles trouxeram os fuzis repletos
de pólvora, eles comandaram o acerbo extermínio,
eles aqui encontraram um povo que cantava,
um povo por dever e por amor reunido,
e a delgada menina caiu com a sua bandeira,
e o jovem sorridente girou a seu lado ferido,
e o estupor do povo viu os mortos tombarem
com fúria e dor.

Então, no lugar
onde tombaram os assassinados,
baixaram as bandeiras para se empaparem do sangue
para se erguerem de novo diante dos assassinos.
Por estes mortos, nossos mortos,
peço castigo.

Para os que salpicaram a pátria de sangue,
peço castigo.
Para o verdugo que ordenou esta morte,
peço castigo.

Para o traidor que ascendeu sobre o crime,
peço castigo.

Para o que deu a ordem de agonia,
peço castigo.
 
Para os que defenderam este crime,
peço castigo.

Não quero que me dêem a mão
empapada de nosso sangue.
Peço castigo.

Não vos quero como embaixadores,
tampouco em casa tranquilos,
quero ver-vos aqui julgados,
nesta praça, neste lugar.
Quero castigo.

Pablo Neruda, Canto Geral.

quarta-feira, 23 de março de 2011

OAB: Dilma tem que cumprir sentença para apurar as violações da ditadura

Brasília, 24/02/2011 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, enviou hoje (24) ofício à presidente da República, Dilma Rousseff, para requerer o integral e imediato cumprimento da sentença proferida em novembro último pela Corte Interamericana de Direitos Humanos com relação ao caso Gomes Lund. Nesse processo, o Brasil foi condenado a promover medidas de promoção da verdade e da justiça em relação às graves violações aos direitos humanos cometidas por agentes públicos durante a ditadura militar no Brasil.
No ofício, Ophir ressalta que o Brasil aderiu voluntariamente à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sendo que a jurisdição dessa Corte para decidir sobre violações aos direitos humanos é indiscutível e suas determinações são de cumprimento obrigatório, sem possibilidade de revalidação interna de seu valor, conforme o artigo 68 do Pacto de São José da Costa Rica. "O eventual descumprimento de quaisquer das determinações da sentença da Corte representará um retrocesso sem precedentes na evolução dos direitos humanos no Brasil e nas Américas".
O presidente da OAB ainda ressalta no ofício que a decisão do Supremo Tribunal Federal na APDF nº 153 (de que os crimes ocorridos na ditadura não seriam de tortura e estariam, pois, prescritos) não é empecilho para o cumprimento da decisão da Corte. "Cada um desses Tribunais possui competências próprias, e suas decisões devem ser aplicadas nos respectivos limites. O respeito à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma obrigação também do Poder Judiciário brasileiro", finalizou Ophir. O ofício foi enviado pela OAB à presidente da República por recomendação do jurista Fábio Konder Comparato, medalha Rui Barbosa da OAB.
A seguir a íntegra do ofício enviado pelo presidente da OAB:
Excelentíssima Senhora
Presidenta da República Dilma Rousseff
República Federativa do Brasil
Assunto: Pelo cumprimento integral da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund.
Excelentíssima Senhora Presidenta da República.
Diante da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund, no dia 24 de novembro de 2010, na qual o Estado brasileiro foi condenado a promover medidas de promoção da verdade e da justiça em relação às graves violações aos direitos humanos cometidas por agentes públicos durante a ditadura militar no Brasil, vêm manifestar a V. Exa. que:
O País exerceu sua soberania ao aderir voluntariamente à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e ao reconhecer como obrigatória a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Esses atos - políticos e jurídicos - foram praticados com estrita observância da Constituição Federal e, acima de tudo, são a concretização do artigo 4º, inciso II do artigo 5º, §§ 2º e 3º, e do artigo 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
A jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos para decidir sobre violações aos direitos humanos ocorridas no Brasil é indiscutível. Suas determinações são de cumprimento obrigatório por todos os agentes públicos do País, sem a possibilidade de rediscussão ou revalidação interna de seu valor, conforme estabelece o artigo 68 do Pacto de São José da Costa Rica.
O Estado brasileiro tem, pois, o dever de cumprir, prontamente, todas as determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O eventual descumprimento de quaisquer das determinações da sentença da Corte representará um retrocesso sem precedentes na evolução dos direitos humanos no Brasil e nas Américas. Se o Estado brasileiro não cumprir a sentença condenatória nesse caso estará sinalizando que desrespeita a autoridade da Corte e do sistema regional e internacional de proteção aos direitos humanos.
A decisão do Supremo Tribunal Federal na APDF nº 153 não é empecilho para o cumprimento da decisão da Corte. Cada um desses Tribunais possui competências próprias, e suas decisões devem ser aplicadas nos respectivos limites. O respeito à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma obrigação também do Poder Judiciário brasileiro.
Certas do compromisso de Vossa Excelência com o estado democrático de direito, as Entidades signatárias inaugurando um estado de vigília, aguardam O INTEGRAL E IMEDIATO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, com a punição dos perpetradores de torturas, homicídios, desaparecimentos forçados e demais crimes contra a humanidade, a identificação e entrega dos restos mortais dos desaparecidos aos familiares, a instituição da Comissão Nacional da Verdade e demais medidas fixadas na decisão.
Atenciosamente,
Ophir Cavalcante Junior, Presidente


Fonte:http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=21468

terça-feira, 22 de março de 2011

Começa julgamento do ex-ditador argentino Jorge Videla

O ex-ditador argentino Jorge Videla voltou, nesta sexta-feira, ao banco dos réus pela primeira vez desde 1985, em um julgamento oral sobre o fuzilamento de presos políticos em prisões da província de Córdoba durante a ditadura militar. Videla, de 84 anos, é julgado junto com outros 24 acusados – incluindo o ex-chefe militar Luciano Menéndez, condenado à prisão perpétua em outros dois julgamentos recentes.
A causa investigada é o fuzilamento de 31 presos políticos em prisões de Córdoba no ano de 1976. Segundo o processo, a maioria foi executada durante traslados autorizados por um juiz, em meio a supostas tentativas de fuga – razão pela qual ele justifica os assassinatos.
Na leitura das acusações, entre outros fatos, detalhou-se que em 30 de abril de 1976, três presos políticos, inclusive uma mulher, foram separados do restante dos detentos na penitenciária de Córdoba e, “simulando uma tentativa de fuga e desacato aos guardas, teriam executado os presos mediante o uso de armas de fogo”.
Ao concluir a primeira parte da acusação, Videla pediu a palavra, mas o presidente do tribunal, Jaime Díaz Gavier, disse que não cabia naquele momento. Enquanto isso, familiares das vítimas choravam à medida que eram lidas as acusações.
“Esta é uma das causas mais emblemáticas e importantes. Videla está condenado desde o julgamento das juntas, mas é muito bom que hoje também compareça em outra causa como esta. A dimensão dos seus crimes não tem limite”, disse à AFP o secretário argentino dos Direitos Humanos, Eduardo Luis Duhalde, antes do começo da audiência.
Ditadura argentina
Cerca de 400 pessoas expressaram seu repúdio ao ex-ditador na entrada dos tribunais de Córdoba. A província, que fica 700 quilômetros ao Norte da capital Buenos Aires, foi uma das mais castigadas pelo terrorismo de Estado durante a ditadura (1976/83).
Durante as audiências, que se estenderão até o fim do ano, espera-se que deponham 60 testemunhas.
O ex-ditador, que comandou em 1976 o golpe de Estado que instaurou um regime militar, está detido por outras causas, como violações dos direitos humanos.
Trata-se do primeiro julgamento que Videla enfrenta desde 1985, quando foi condenado à prisão perpétua no histórico julgamento das juntas militares, apesar de, em 1990, foi indultado pelo então presidente Carlos Menem. Entidades humanitárias estimam que cerca de 30 mil pessoas desapareceram durante a ditadura.

Fonte: AFP

quinta-feira, 17 de março de 2011

O TORTURADOR E O MONSTRO

Mesmo depois de quatro décadas, o odor de corpos apodrecidos ainda exala pelo Brasil e cheira mais forte em São Paulo, no bairro da Vila Mariana, nos fundos de uma delegacia de polícia na rua Tutóia na qual funcionou o DOI-CODI ou Operação Bandeirantes (OBAN), um dos principais centros de tortura e de assassinatos de presos políticos durante a ditadura militar.
O comandante mais ilustre da OBAN, no período de setembro de 1970 a janeiro de 1974, foi o então major do Exército, e hoje coronel, Carlos Alberto Brilhante Ustra, responsável por torturas em prisioneiros políticos e assassinato de vários deles, entre os quais Joaquim Alencar de Seixas e Luiz Eduardo Merlino, em 1971, Carlos Danielli, em 1972, e Paulo Stuart Wright, em 1973.
O carniceiro da rua Tutóia já foi declarado “torturador” pela Justiça brasileira, mas ainda assim Ustra continua em liberdade e fazendo apologia dos seus crimes. Para isso conta com a ajuda dos seus superiores nas Forças Armadas da época da ditadura e de alguns oficiais atuais, incluindo brigadeiros, almirantes e generais coniventes, criminosamente, com a ocultação de cadáveres dos mortos sem sepultura.
Na pesquisa que realizei para livro que está em fase final de redação de texto sobre a organização de esquerda Ação Popular comprovei, documentalmente, que Carlos Alberto Brilhante Ustra não agiu por conta própria e ele mesmo já deixou claro em entrevistas que recebia ordens de seus superiores do Alto Comando do Exército e das Forças Armadas para cometer atrocidades nas masmorras do DOI-CODI paulista.
Mas dificilmente Ustra e seus superiores serão punidos como está acontecendo com os torturadores da ditadura argentina, inclusive porque conta com a decisão do Superior Tribunal Federal (STF) que, no ano passado, considerou que a Lei da Anistia protegeu os torturadores e que eles não podem ser punidos por crimes durante a ditadura. Para isso o STF teve a ajuda da Advocacia Geral da União do governo do ex-operário e então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Os prisioneiros assassinados e desaparecidos durante a ditadura no Brasil são menos de 1 mil, mas o forte odor dos corpos apodrecidos desses mortos sem sepultura, que Ustra e seus camaradas militares e civis executaram com requinte de crueldade, continua aviltando a pátria mãe gentil. Uma situação que lembra o que acontece em Incidente em Antares, fascinante livro de Erico Veríssimo, no qual sete mortos insepultos adquirem vida e vão vasculhar a podridão moral da sociedade.
No caso do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra há o agravante dos métodos sofisticados de tortura adotados pelo Alto Comando das Forças Armadas no DOI-CODI que ele comandou.
Sobre isso, em 1987, o jornalista Vicente Alessi Filho escreveu texto primoroso, mas até agora inédito e que faz parte do livro que estou preparando:
Pode até haver exceções, mas é razoável imaginar que médicos legistas, e também os patologistas, não costumam carregar a família para visitar suas salas de autópsia, suas mesas de dissecação e a matéria prima do seu ofício. Mas o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra deixa escapar uma ponta de orgulho por ter eventualmente compartilhado, com mulher e filhos, do seu local de trabalho entre 1970 e 1974. É um caso que fatalmente evoca a história do Dr. Jekill e de Mr. Hyde e a sensação de que essa dupla de um tenha mais a ver com a realidade do que pretendia Robert Louis Stevenson – o autor inglês com certeza não foi apenas um contador de histórias. Com mais propriedade, ele talvez tenha retratado com muita fidelidade algumas nuanças da natureza humana, deixando a ficção por conta da mente de cada leitor.
No caso do coronel Brilhante Ustra, essa dualidade de personalidade foi constatada fartamente por cidadãos e cidadãs que por qualquer razão o conheceram como carcereiro de presos políticos e responsável final e direto por cada atitude de seus subordinados na condição de comandante do DOI paulista. Do major Valdyr Coelho, seu antecessor (ele morreu em Curitiba, já coronel, de causa natural, no fim da década de 70), o então major Ustra herdou uma estrutura de pouca eficiência técnica, composta de homens que eram autênticos bate-paus – da inauguração da Operação Bandeirantes, a Oban, nos primeiros meses de 1969 (começou a operar a partir do quartel da Polícia do Exército, na rua Abílio Soares, e em setembro foi transferida para as dependências definitivas nos fundos do Distrito Policial da rua Tutóia) até que a nova estrutura dirigida por Ustra começasse a funcionar, praticamente todos os que por lá passaram tiveram a sua dose de tortura física.
No começo, ainda em 1969, tudo o que os bate-paus e seus chefes sabiam era que precisavam obter informações rápidas. Eles desconheciam a história e a cultura própria das novéis organizações políticas não partidárias, e com dificuldades entendiam as das próprias organizações tradicionais, que eram os dois Partidos Comunistas. Suas, digamos, vitórias, foram todas elas obtidas à custa da força bruta.
Fonte http://ccmlsp.net/?p=992

O uso da inteligência, da psicologia aplicada ao prisioneiro, das técnicas do desgaste gradual coincidiu com a chegada de Brilhante Ustra. Como qualquer empresa que pretende ter futuro no mundo dos negócios, os DOI nasceram para ser eficientes, tanto na análise quanto na operação prática, não dispensando, porém, os bate-paus de melhor fama no mercado.
Os prisioneiros sentiram as diferenças de métodos na pele e no espírito. Ao mesmo tempo em que Ustra e equipe passaram a acumular experiência e informações, manuseando-as de forma mais moderna e certeira, aos prisioneiros eram servidas duas refeições diárias, por exemplo, um luxo incompatível com a história da velha Oban. Nenhum preso, contudo, sofreu menos por causa de tanta modernidade, de tanta liberalidade nos usos e costumes internos.
No máximo, alguns poucos passaram incólumes, diante das máquinas de choques, das cadeiras do dragão, do pau-de-arara e assemelhados e dos músculos dos torturadores. A “face humana” que Ustra persegue ainda hoje com dedicação pode até corresponder a uma fração da sua natureza – aquela mesma que permite a certos homens ser cruéis.

Fonte: http://ccmlsp.net

quarta-feira, 16 de março de 2011

Argentina libera documentos da ditadura. E o Brasil?

Enquanto no Brasil o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e as cúpulas militares inventam (com aquela ajudinha da grande imprensa…) uma crise político-militar por causa da criação da Comissão da Verdade, chegando a ameaçar lançar uma carta conjunta de demissão, na Argentina, o governo assinou, ontem, um decreto liberando o acesso aos documentos militares da ditadura daquele país.

Com exceção dos documentos relativos à Guerra das Malvinas (1982), o acesso aos demais papéis militares foi liberado, através de um decreto assinado ontem por Cristina Kirchner.

Matéria do G1 informou o seguinte:

“Argentina libera acesso a documentos das Forças Armadas sob ditadura militar”

O governo da Argentina anunciou nesta quarta-feira (6) que vai desclassificar todos os documentos sobre as Forças Armadas durante a ditadura militar do país (1976-83). A única exceção é a documentação relativa à Guerra das Malvinas, de 1982. A medida foi anunciada em um decreto publicado no Diário Oficial nesta quarta-feira (6). Segundo o texto, assinado pela presidente Cristina Kirchner, manter essas informações em segredo é contrário à “política de memória, verdade e justiça” que, segundo ela, o estado vem adotando desde 2003. A medida deve agilizar os já existentes requerimentos judiciais de informação em processos relativos a violações de direitos humanos, iniciados a partir da revogação da anistia, em 2003. Em comunicado, a Secretaria de Direitos Humanos informou que os documentos, do Ministério da Defesa, estão no Arquivo Nacional da Memória, e já vinham sendo publicados quando decretos específicos assim o determinavam.

Recomendo bastante a leitura do texto de Maria Inês Nassif, no Valor Econômico de hoje, sobre a tal “crise”, após a instalação da Comissão da Verdade (clique aqui para ler na clipagem de hoje).

Uma coisa curiosa: das duas propostas que mais “irritaram” os militares, no novo Plano de Direitos Humanos, uma delas é a que veta a nomeação de ruas, praças, monumentos e estádios com nomes de pessoas que tenham relação com a prática de crimes durante a ditadura.

A outra proposta é sobre a identificação e publicização das estruturas utilizadas para violações de direitos humanos naquele período.

O estranho é que o Estado defina indenizações, sem que ninguém seja punido. Ora, se se definiu uma indenização, isso se deve à comprovação de culpados. Sendo assim, por que não se pune ninguém? Se não é para punir, é melhor que não se pague indenizações.

O certo é que o Estado brasileiro ainda está longe de garantir nosso direito constitucional à verdade e à memória. Mas a passos lentos, caminhamos nesse direção, inelutavelmente.